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Por que Estamos Engordando Tão Cedo?

Data: 28/06/2013

Declínios substanciais na prevalência da desnutrição infantil no Brasil foram identificados nas últimas décadas, atribuindo- se tais modificações em parte a melhorias na escolaridade materna, no poder aquisitivo das famílias, no acesso à assistência à saúde e nas condições do saneamento (Monteiro et al., 2009). Em contrapartida, a temática da obesidade tem ganhado destaque na literatura científica em virtude da precocidade do seu desenvolvimento e do rápido aumento da sua prevalência nas últimas décadas, sendo caracterizada como uma verdadeira epidemia mundial (Oliveira e Fisberg, 2003). Segundo dados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (PNDS, 2006-2007), a frequência de excesso de peso entre crianças brasileiras menores de 5 anos foi de 6,6%. Em crianças de 5 a 9 anos, os dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF 2008-2009) descrevem frequência de excesso de peso superior a 30% e aumento explosivo deste estado nutricional entre 1989 e 2008- 2009, conforme pode ser observado na figura 1.

A obesidade, caracterizada pelo acúmulo de tecido gorduroso, regionalizado ou em todo o corpo, é uma doença crônica, complexa e de etiologia multifatorial, resultante, na maioria dos casos, da associação de fatores genéticos, ambientais e comportamentais (SBP, 2012). Porém, a mudança dos hábitos de vida, com o aumento do sedentarismo e a adoção de hábitos alimentares não saudáveis - com alimentação inadequada, e a incorporação de hábitos procedentes das sociedades americanizadas - poderia explicar melhor este aumento descontrolado da epidemia (Fisberg, 2006) e a precocidade do estabelecimento da obesidade.

Na infância, alguns fatores são determinantes para o estabelecimento da obesidade: o desmame precoce, o emprego de fórmulas lácteas inadequadamente preparadas, a introdução precoce de alimentos não recomendados, o aumento desmedido do ganho de peso gestacional, distúrbios do comportamento alimentar e inadequada relação familiar (Fisberg, 2006). As Diretrizes Brasileiras de Obesidade (ABESO, 2009) também descrevem situações que se associam à obesidade, tais como obesidade dos pais, sedentarismo, baixo peso e excesso de peso ao nascer, aleitamento materno e fatores relacionados ao crescimento.

O Ministério da Saúde recomenda o aleitamento materno exclusivo até os 6 meses (MS, 2010). Entretanto, dados da II Pesquisa de Prevalência de Aleitamento Materno (MS, 2009), realizada nas capitais brasileiras e no Distrito Federal, mostraram que a mediana de tempo de aleitamento materno exclusivo no Brasil foi de 1,8 meses. Além disto, o início do processo de desmame ocorre precocemente, ainda nas primeiras semanas ou meses de vida, com a introdução de chás, água, sucos e outros leites. Segundo revisão da Academia Americana de Pediatria – AAP (2012), o aleitamento materno diminui a incidência de excesso de peso, devido a sua apropriada composição nutricional, e seu incentivo deve fazer parte das campanhas nacionais de prevenção à obesidade.

Quando da impossibilidade da continuidade do aleitamento materno, recomenda-se a substituição por fórmula infantil que satisfaça as necessidades do lactente e que apresente quantidade e qualidade adequadas de proteínas. Fórmulas com maior conteúdo proteico podem aumentar o risco para o desenvolvimento de obesidade devido ao maior ganho de peso proporcionado por elas, conforme observado por estudo europeu, o qual avaliou 1.138 lactentes saudáveis por 24 meses e encontrou que as crianças que utilizaram fórmulas com maior teor proteico apresentaram maior IMC nos dois primeiros anos de vida (Koletzko et al., 2009).

A partir dos 6 meses de idade recomenda- se a introdução da alimentação complementar (MS, 2010). Esta etapa pode ser limitada, inicialmente, por predisposições genéticas como a preferência pelo sabor doce e salgado, e a rejeição pelo sabor ácido e amargo (Birch, 1998; Schwartz et al., 2009). Soma-se a isto, a predisposição que as crianças apresentam de rejeitarem novos alimentos e a capacidade de associarem os diferentes sabores às suas consequências fisiológicas, aceitando certos alimentos e rejeitando outros (Birch e Fisher, 1998). No entanto, estas influências genéticas podem ser modificadas precocemente. Estudos indicam que são necessárias de 8 a 15 exposições a um mesmo alimento para que o mesmo seja aceito (Sullivan e Birch, 1990; Sullivan e Birch, 1994). Sullivan e Birch (1994) destacam que a rejeição aos novos alimentos é normal, mas quando a criança familiariza- se com o novo alimento a aceitação aumenta. Skinner et al. (2002a) mostraram que um dos fatores determinantes para a presença de variedade no consumo de frutas em idade escolar foi a exposição frequente a elas durante os primeiros anos de vida. Assim, a interação entre as diferentes predisposições genéticas e os fatores ambientais será responsável pela formação dos hábitos alimentares dos indivíduos (Birch, 1998, 1999; Birch e Fisher, 1998). Existem evidências de que as preferências alimentares dos indivíduos são determinadas precocemente e que estas irão predizer os hábitos alimentares futuros (Skinner et al., 2002b).

Desta forma, os esforços para a promoção de práticas alimentares saudáveis devem iniciar cedo. O oitavo passo do guia alimentar para menores de dois anos (MS, 2010) recomenda evitar açúcar, café, enlatados, frituras, refrigerantes, balas, salgadinhos e outras guloseimas, nos primeiros anos de vida. No entanto, estudos realizados no Brasil e em outros países demonstram a precocidade do consumo de alimentos e bebidas não recomendadas para crianças menores de 2 anos de idade. A II Pesquisa de Prevalência de Aleitamento Materno (MS, 2009) realizada nas capitais brasileiras e Distrito Federal constatou elevado consumo de refrigerantes (11,6%) e bolacha e/ou salgadinhos (71,7%) entre crianças de 9 a 12 meses de idade. Caetano et al. (2010) evidenciaram elevado percentual de consumo de alimentos inadequados antes dos 12 meses de idade.

Estudo conduzido nos Estados Unidos (Feeding Infants and Toddlers Study - FITS) também demonstrou a precocidade do consumo de alimentos e bebidas de baixo valor nutricional, como salgadinhos, chocolates, refrigerantes e outros. Os dados do FITS revelam que 46% dos lactentes entre 7 e 8 meses de idade já consumiam algum tipo de sobremesa, doce ou bebida açucarada, e esta proporção aumenta conforme a idade (Fox et al., 2004). Brekke et al. (2007) avaliaram 10.762 crianças entre 9 a 18 meses de idade e encontraram uma proporção de 24% destas recebendo chocolate, doces, bolos ou biscoitos mais que uma ou duas vezes por semana. Estas crianças tinham baixa frequência de ingestão de frutas, verduras e carne e alta frequência de ingestão de salsicha, batata frita e queijo quando comparada àquelas que recebiam estes alimentos raramente.

A qualidade da alimentação materna é um dos principais determinantes da dieta da criança, principalmente aos 12 meses de idade, quando os alimentos da família estão cada vez mais presentes na rotina alimentar da criança (Robinson et al., 2007). Robinson et al. (2007) observaram que mães com dieta caracterizada por alta ingestão de embutidos, batata frita, doces e refrigerantes são mais susceptíveis de fornecer para seus filhos uma dieta com características semelhantes. Skinner et al. (2002a) relatam que as preferências alimentares das crianças e das mães estão significativamente correlacionadas. Os autores encontraram relação entre as preferências maternas por vegetais e a variedade do consumo destes pelas crianças e observaram que alimentos não apreciados pelas mães não eram oferecidos às crianças.

A associação entre a obesidade da criança e o índice de massa corpórea dos pais é descrita por alguns autores (ABESO, 2009) e torna-se um fator muito preocupante se considerarmos a prevalência alarmante de adultos com excesso de peso no Brasil. Os dados mais recentes do Vigitel (MS, 2011) indicam uma prevalência de excesso de peso nos adultos das capitais de 48,5%. A associação entre a obesidade da criança e de seus pais deve-se, em parte, à carga genética que influi no desenvolvimento de obesidade, mas principalmente ao ambiente em que a criança é criada (Vitolo, M., 2008). O risco de a criança ser obesa é de 80% quando os pais são obesos, de 50% quando um dos genitores é obeso e de 9% quando os pais não são obesos (Fisberg, M., 2005) O aumento desmedido do ganho de peso no período gestacional e iniciar esse período com sobrepeso ou obesidade são fatores de risco importantes para complicações clínicas como diabetes gestacional, o que está associado à macrossomia fetal e risco à saúde do recém-nascido.

O ganho de peso gestacional também tem sido alvo de estudos de associação com obesidade. Um estudo americano que avaliou 10.226 participantes encontrou uma probabili- dade 48% maior de excesso de peso aos 7 anos de idade entre as crianças cujas mães apresentaram ganho de peso excessivo na gestação. A associação manteve-se, mesmo após o ajuste para o peso de nascimento (Wrotniak et al., 2008). Outro estudo inglês mostrou que mulheres com ganho de peso acima do recomendado na gestação tiveram crianças com maior adiposidade, pressão arterial sistólica, proteína c-reativa, interleucina 6 e leptina, e menor concentração de HDL colesterol aos 9 anos de idade. Os autores também descrevem uma associação positiva entre o excesso de peso pré- -gestacional e o excesso de adiposidade e de fatores de risco cardiovasculares adversos na criança (Fraser et al., 2010).

Há fortes evidências de que tanto o alto quanto o baixo peso ao nascer estão associados à obesidade na infância e na vida adulta. Coorte conduzida nos EUA demonstrou que 1 kg a mais no peso ao nascer de crianças a termo associou-se a 40% de aumento do risco de excesso de peso na adolescência (Gillman et al., 2003).

Um estudo com 1.850 mulheres americanas encontrou presença de sobrepeso em mulheres tanto com baixo peso ao nascer como com excesso de peso ao nascer. Além disto, as mulheres com excesso de peso ao nascer (peso acima de 4,5kg) apresentavam quase duas vezes maior risco de desenvolverem obesidade (Leong et al., 2003). Desta forma, podemos ressaltar a forte participação do ambiente intrauterino na gênese na obesidade.

A qualidade do vínculo que a mãe desenvolve com seu filho é de fundamental importância para o desenvolvimento saudável. Distúrbios futuros podem ser favorecidos se o “clima afetivo” em que o alimento é oferecido for repetidamente insatisfatório ou impactante para a criança. Assim, o bom vínculo depende de muitos fatores, como ambiente familiar desarmônico, insatisfação conjugal, gravidez indesejada, falta de apoio familiar, entre outros (SBP, 2012).

Por tudo isto, percebe-se a importância de medidas preventivas ainda no período pré-natal e na fase intrauterina, sendo esta última um momento crítico para o desenvolvimento da obesidade, assim como o primeiro ano de vida. A obesidade, quando estabelecida, exige um tratamento complexo e está associada a inúmeros prejuízos à saúde da criança como hipertensão arterial, distúrbios do metabolismo da glicose, apneia do sono, alterações ortopédicas, dislipidemia, além de todos os prejuízos psicossociais.
 

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